terça-feira, 26 de janeiro de 2010

“É preciso destruir o teatro!”

Entrevista com Priscila Nicoliche, diretora do grupo Quântica Teatro Laboratório.

Quem é você?

PN – Sou uma inquieta. A inquietação é o que me move sempre em todos os campos. Sou uma Desejante Eterna.


Mas isto não gera uma angústia constante?
PN – Naturalmente que sim, entretanto, eu não me lembro de ninguém que tenha feito algo relevante ficando parado no mesmo lugar. Acredito na pergunta, no movimento, no impulso, na vontade de descobrir algo.


Como você começou no teatro?
PN – Eu nunca fui outra coisa. Nunca tive outro emprego que não fosse no teatro. Na 3ª série do ensino fundamental eu já era “diretora dos meus coleguinhas”. E a teoria sempre me interessou tanto quanto a prática. Gosto de estudar o teatro, de saber o que já foi feito. Entre 1995 e 1996 participei de alguns grupos da cidade mas logo comecei a observar que havia um excesso de palavras, as pessoas montavam Nelson Rodrigues, Plínio Marcos, sem a menor propriedade, acho que foi uma fase mas aquilo passou a não servir mais para mim. Me incomodava profundamente. Aos 19 anos achei que eu não tinha mais nada a dizer por meio de palavras e fui estudar dança. O Réquiem das Flores em 1997 já era uma matriz desta inquietação. Daí fiz 2 anos de dança contemporânea com a Danielle Bittencourt, a quem sou muito grata. Foi a partir daí que entrei em contato com a dança alemã através de Pina Bausch, Suzanne Link e isto me abriu um mundo: as imagens são muito fortes, o processo é outro, o pensamento é outro. Não é mimético, vazio. É carregado de cores muito fortes. E isto passou a me interessar muito.


Como surgiu o Quântica Teatro Laboratório?
Surgiu com o “De Profundis – memórias de um cárcere público” em 2004 falávamos sobre a vida e obra do escritor irlandês Oscar Wilde, utilizando a linguagem da dança-teatro, creio que pela primeira vez na cidade e até na região. As opiniões foram muito divididas. Tinha gente que achava o máximo, outros diziam que não entendiam nada, que não era teatro, nem era dança – e nem era mesmo uma coisa ou outra; era uma coisa e outra. E assim isto também ocorreu em diversos festivais dos quais participamos. Mas debates a parte viajamos bastante e ganhamos vários prêmios com o espetáculo. Foi um período muito feliz. Depois veio o “Identidade I – Plástico” – que adoramos fazer até hoje – o “Duplos” inspirado em O Médico e o Monstro do Stevenson, a perfornance “O Novo Prometeu Acorrentado” entre outras coisas.

Suas referências são sempre estrangeiras?
PN – Parece que sim, não é? Já me criticaram bastante com relação isto dizendo que eu não valorizo a cultura do Brasil. Acho uma bobagem. Como se todo mundo fosse obrigado a desenvolver trabalhos de cultura popular brasileira. Se o Brasil é feito de diversidade eu faço parte da diversidade do Brasil! E minhas referências vêm da minha adolescência onde eu lia Rimbaud, Wilde, Blake, Hesse, Kafka e por aí vai. Os universos destes autores fazem parte da minha constituição, só isto.

Seu trabalho é muito autoral?
PN – Diria que é pessoal. Cada trabalho significa algo muito pessoal pra mim. Por isto coloco em dúvida grupos que hoje fazem Nelson, amanhã Shakespeare depois Maria Clara Machado. Acredito que a arte tenha que dizer algo primeiro para quem faz. No De Profundis eu queria confrontar estética teatral daquele momento, liberdade e cerceamento na vida, na arte, na sociedade: o Duplos é sobre o Homem e seus monstros interiores, seu lado escuro e pouco conhecido. A máquina é hiper atual em sua discussão sobre o Homem sozinho em meio à tecnologia, a informação. E tudo isto passa por observações e vivências pessoais. É claro que as coisas amadurecem. No principio falamos sobre nossas angústias adolescentes, depois ganhamos o mundo.

O grupo Quântica Teatro Laboratório completará 6 anos em 2010, o que modificou neste período?
PN – Muitas coisas. Há um amadurecimento embora seja ainda um grupo muito jovem e que tenha uma trajetória grande pela frente. Mas há uma mudança de ponto de vista. Como eu disse, no inicio as coisas eram mais próximas, pessoais, agora nosso olhar se volta para o Homem social, universal. Parece óbvio dizer, mas só agora tenho condições de trazer as minhas referências “estrangeristas” para o nosso contexto nacional. Em “A Maquina” deixamos um pouco a dança-teatro e nos enveredamos pelo pós dramático cujo berço é a Alemanha com Brecht, Heiner Muller e depois temos nos Estados Unidos Bob Wilson, entre outros. Mas não dá para conceber Brecht ou Muller como é feito na Alemanha. É preciso recoloca-los aqui. Este é o trabalho mais árduo porque demanda uma clareza de pensamento que se não existir vira um arremedo triste destes autores.

Como você vê o teatro hoje?
PN – Com poucas novidades. Quase tudo muito careta, comportado, sem risco. Ou de uma didática tão explícita que beira aulas de Educação Moral e Cívica. Acho que é por isto que estamos perdendo terreno para todos os outros meios de lazer e entretenimento. O teatro perdeu sua função de representar o Homem, tira-lo do eixo, causar algo que o transforme. A maioria do que se vê parece não ter sentido nem para quem faz. Fazemos teatro para classe teatral, não para a sociedade, com modelos muito ultrapassados. Vivemos em um mundo onde crianças são jogadas pela janela, dinheiro é encontrado em meias e cuecas, há uma guerra constante nas cidades, não é preciso ir a Palestina, tudo fruto de desigualdade social e econômica e diante disto não é possível acreditar que alguém pense que é a visão de um peito ou de uma bunda em cena vai causar algum choque ou revolucionar o teatro. É no mínimo muito ingênuo.
Penso que tenhamos que ser radicais destruir o teatro para alcançar algo que seja mais fundamental, como Artaud já dizia: “destruir o teatro para tocar na Vida!”

Não há nada que possa se salvar neste panorama?
PN - Há. Evidente que há. Tem coisas muito sensíveis sendo realizadas. E há melhores condições de produção também por causa das políticas públicas que vem ajudando grupos e artistas na construção de suas poéticas.Por outro lado esta distribuição de verba também tem um outro lado, em algumas montagens parece que as facilidades as vezes não aguçam a criatividade. Evidente que não sou maluca de dizer “em nome da criatividade façamos teatro sem dinheiro!” mas é preciso estar atento as “armadilhas do capital”. E depois temos sempre que pensar que muitas das coisas que estão ocorrendo são Programas, não são Leis, portanto podem acabar e para que isto não ocorra os artistas precisam se organizar, estar atentos, sair da órbita da comodidade atual e continuar lutando para uma democratização cada vez maior destes Programas, que estes sejam transformados em Leis transparentes e que todos tenham acesso.

Para finalizar, quais os planos para o Quântica Teatro Laboratório?
PN – Neste momento estamos nos reinventando. “A Máquina – uma leitura frankensteiniana sobre Hamlet” faz parte de um projeto maior chamado “A saga da destruição do herói” que se desdobrará em perfomances e intervenções de rua em espaços não convencionais. Vamos retomar os espetáculos de repertório e registrar todo este material para preservar a memória do grupo e deste modo construir uma trajetória do nosso trabalho coisa que eu acho fundamental para que a prática e a teoria se complementem e ajudem a construir uma poética contundente para o nosso trabalho.

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